quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Morre lentamente quem não viaja...


Morre lentamente quem não viaja,
Quem não lê,
Quem não ouve música,
Quem destrói o seu amor-próprio,
Quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma escravo do hábito,
Repetindo todos os dias o mesmo trajecto,
Quem não muda as marcas no supermercado,
Não arrisca vestir uma cor nova,
Não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente quem evita uma paixão,
Quem prefere o "preto no branco"
E os "pontos nos is" a um turbilhão de emoções indomáveis,
Justamente as que resgatam brilho nos olhos,
Sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho,
Quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho,
Quem não se permite,
Uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da chuva incessante,
Desistindo de um projecto antes de iniciá-lo,
Não perguntando sobre um assunto que desconhece
E não respondendo quando lhe indagam o que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves,
Recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior do que o simples acto de respirar.
Estejamos vivos, então!

Pablo Neruda


5 comentários:

Maguita disse...

E está tudo dito.

Carla disse...

Não conhecia estas sábias palavras. Mais um motivo para admirar esse grande senhor.

Embora ... eu queixei-me um bocado da "chuva incessante". Será que é muito grave? E também não sei se tenho força para virar a mesa quando estou infeliz no trabalho. É que aquilo é de madeira maciça. Acho melhor esquecer que li essas duas e concentrar-me só nas outras.

Sofisga disse...

Lindo poema-lição do grande Pablo Neruda, um dos meus poetas preferidos, senão mesmo 'o meu poeta'. Aconselho toda a sua obra mas quem quiser pode sempre começar pelos seus "20 poemas de amor e uma canção desesperada".

B disse...

Os poemas no fundo são como laxantes,no bom sentido da palavra.
É algo que por vezes nos trás alivio gratificante em situações de amargura e no final nos deixa um sorriso de orelha a orelha com a satisfação de realização...

Carla disse...

Vou seguir a sugestão da Sofia, porque de facto este senhor era um génio, juntamente com o nosso Fernando Pessoa.

E já agora ando a ler o Agostinho da Silva cuja obra todos os portugueses deviam conhecer. A lucidez dele, o raciocínio são impressionantes. Recomendo.